Casal que vive juntos há décadas também precisa passar pela Catequese Matrimonial?
Esta é uma pergunta bastante frequente. Para responder, consideremos que todos os casais que pretendem se casar precisam de conhecimento sobre o que é o Matrimônio e o discernimento sobre a vocação para o contraírem.
A partir daí, aponto que não existe um documento específico para se preparar casais que já vivem juntos. O sacramento do Matrimônio é o mesmo para todos e a preparação também deve ser a mesma, ou seja, deve abordar os mesmos conteúdos.
São João Paulo II já nos disse que “esta catequese renovada de TODOS os que se preparam para o matrimônio cristão é absolutamente necessária” (FC66). Não é algo exclusivo para noivos na forma tradicional, mas a todos os “candidatos ao matrimônio”. É desta forma que a Igreja procura se certificar que o sim dado no altar seja consciente, muito mais como compromisso vocacional do que uma regularização de situação.
Além disso, através de uma preparação para o Matrimônio, se bem estruturada, os casais podem adquirir novos conhecimentos, reavaliar conceitos e práticas de suas vidas. Nenhum casal, nem mesmo os agentes da própria preparação, são tão instruídos e experientes a ponto de não existir nada a ser acrescentado.
O mais recente documento da Santa Sé sobre a preparação para o matrimônio1 reforça a necessidade de acompanhar os casais que vivem juntos para o adequado discernimento:
“A experiência pastoral em grande parte do mundo mostra, agora, a presença constante e generalizada de “novos pedidos” de preparação ao matrimônio por parte de casais que já vivem juntos, são unidos civilmente e têm filhos. A Igreja já não pode esquivar esses pedidos, nem os espremer em percursos traçados para aqueles que provêm de um caminho mínimo de fé; estes requerem, em vez disso, formas de acompanhamento personalizadas ou em pequenos grupos, orientadas para um amadurecimento de fé e de casal com vistas ao matrimônio cristão, através da redescoberta da fé a partir do Batismo e da compreensão gradual do significado do rito e do sacramento do Matrimônio” (Parágrafo 25).
Quando apresento tais ponderações, é comum escutar que a realidade de um casal de noivos é diferente daquela dos casais que já vivem juntos, principalmente se coabitam há décadas. De fato, há razão nisto e há algumas particularidades, mas tudo isso se ajusta pela abordagem pastoral e não pela exclusão de temas da formação.
Já ouvi também argumentos que uma preparação longa poderia desanimar os casais que se motivam a regularizar a situação em que se encontram. Mas abreviar a formação não é uma boa solução. Neste caso, simplificar não significar ajudar. Se vivem juntos há anos e SE realmente desejam o Matrimônio, o fato de se prepararem por alguns meses não será um problema. É aí que entra o trabalho da equipe pastoral, que deve visitar os casais e conversar, mostrando que um tempo de discernimento com vários encontros e reflexões não constitui uma barreira, mas é um benefício para eles. A preparação, a catequese matrimonial, é uma grande oportunidade, um grande presente da Igreja para que o casal contraia o sacramento de modo consciente. Ou seja, também é papel dos agentes/catequistas trabalhar na motivação dos casais!
Contudo, do ponto de vista pastoral, faço duas observações:
Seria preciso diferenciar os temas para os dois perfis de noivos?
Os documentos da Igreja não apontam diferenças de conteúdos para as diferentes situações dos casais e aponta a mínima formação para todos que buscam o sacramento. Por exemplo, o documento Preparação do Sacramento do Matrimônio de 1996 já apontava os temas que precisam ser tratados com aqueles que se encaminham para o Matrimônio: “…deverão ser instruídos sobre as exigências naturais ligadas ao relacionamento interpessoal homem-mulher no plano de Deus sobre o matrimônio e sobre a família: o conhecimento em ordem à liberdade de consentimento como fundamento da sua união, a unidade e indissolubilidade matrimonial, a reta concepção de paternidade-maternidade responsável, os aspectos humanos da sexualidade conjugal, o ato conjugal com as suas exigências e finalidades, a reta educação dos filhos.”(PSM35)
Então, não podemos considerar, por exemplo, que um casal que já tenha passado a idade fértil não tenha que discutir paternidade responsável e métodos naturais. Pelo contrário, estes temas estão entre os mais necessários, pois constituem uma das partes mais sensíveis e exigentes com compromisso assumido no Matrimônio. Tanto é assim, que o mais recente documento da Igreja2 sobre a preparação, de 2022, reforça a necessidade de trabalhá-los na Preparação Próxima, ou seja, na etapa que inclui a Catequese Matrimonial para todos que buscam o sacramento:
“Há muitos outros aspectos ligados à realidade humana da pessoa e do casal que devem ser devidamente explorados: as dinâmicas humanas da sexualidade conjugal, a concepção correta de paternidade-maternidade responsável, a educação dos filhos… As catequeses e ensinos cristãos devem contribuir para consolidar o conhecimento da verdade ligada ao matrimônio e à formação da consciência pessoal. Nesta fase, é proveitoso valorizar a experiência de cônjuges que já tem vários anos de matrimônio nas costas.” (Parágrafo 53)
Aproveitando também a última frase da recomendação acima, comento que, se houver possibilidade, é interessante que o atendimento de casais maduros seja feito por agentes também maduros, mediante disponibilidade da equipe. Este aspecto já permite abordagens diferentes de alguns temas. Com a experiência, os casais de agentes – os catequistas – podem usar estratégias que julgarem adequadas, podem tratar alguns temas mais superficialmente quando perceberem conhecimento dos casais em formação ou aprofundar mais quando necessário. Esta é uma questão de experiência pastoral, mas nunca podemos considerar eliminar este ou aquele assunto do conjunto de temas básicos que a Igreja nos recomenda.
Mas não é “só para casar” que os casais devem conhecer tais conteúdos. O acesso à bela doutrina da Igreja é fundamental para a formação católica e, além de tudo, é direito do casal conhecê-la. E, olhando mais adiante, este casal pode transmiti-la aos filhos, netos, amigos ou podem ainda se tornarem também agentes de pastoral, onde tal doutrina é fundamental.
Um curso especial para os casais que já vivem juntos?
Não há motivos para que existam dois grupos ou duas estruturas de preparação para o Matrimônio. Se todos precisam da preparação e os temas são os mesmos, separar aqueles que se preparam para o Matrimônio em função da forma como vivem poderia ser entendido como uma segregação e, além disso, a fragmentação e criação de estruturas não terminaria nunca. Primeiro separaríamos os casais que coabitam dos que não coabitam. Depois iríamos separar os que coabitam sem filhos e os que possuem filhos. Depois, os que têm filhos adultos dos que têm filhos crianças etc.
Além disso, há bons motivos para que todos participem juntos, como a riqueza das partilhas. Em alguns temas, os casais que coabitam há anos podem auxiliar os mais jovens como, por exemplo, educação de filhos e as finanças do lar. Por outro lado, os jovens que vivem a castidade podem mostrar que isso não é utopia, mas real possibilidade.
Então, todos os casais que desejam contrair o Matrimônio, independentemente de suas histórias de vida e tempos de convivência, podem ser encaminhados à equipe paroquial de catequese matrimonial (geralmente o Setor Pré-Matrimonial da Pastoral Familiar) para a participação nos Encontros de Preparação para a Vida Matrimonial (EPVM). Nestes grupos, preferencialmente pequenos e frequentes, eles serão acompanhados levando-se em conta suas realidades.
1 Itinerários Catecumenais para a Vida Matrimonial, Dicastério para os leigos, a família e a vida, 2022.
2 Itinerários Catecumenais para a Vida Matrimonial, Dicastério para os leigos, a família e a vida, 2022